quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Exu e a malandragem

"Exu" - obra de Kboco, circa 2002.
Para nossa cultura, a instauração da incerteza causa a insegurança que é associada à fragilidade. Na realidade, a ordem, a certeza, parece que nos trazem a segurança, a estabilidade. Sendo assim, quando nos deparamos com um símbolo como Exu, que carrega consigo a ambiguidade, a constante presença de ruídos, a desestabilidade e a presença de uma fraqueza da consciência, que o remete ao horizonte da loucura, percebemos o quanto ele desconcerta o pensamento que está relacionado à ordem e a uma verdade única.
[...]
Podemos então, em uma analogia, pensar que o compadre e as pombagiras também fazem parte do caráter do povo brasileiro. Detentores da ginga, do malemolejo ao falar, do jogo de cintura, essas entidades encantam os que as procuram por transitarem entre a ordem estabelecida e as condutas transgressivas.
E se a transgressão passou a ser um elemento constituinte da identidade de alguns grupos sociais no Brasil, quando os compadres e pombagiras despontam, há uma identificação de parte do povo com essa marginália sobrevivente e admirada por ser vitoriosa na luta pela vida.

Trechos retirados do artigo Quem não tem governo nem nunca terá: Exu e o jeitinho brasileiro, de Ivete Miranda Previtalli. Revista Verve, n.16. São Paulo: PUCSP, 2009.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Quadrinhos de Exu

Capa da história em quadrinhos "Zeladores", de Nathan Cornes e Anderson Almeida,
que traz o exu Zé Pilintra como personagem principal.

Zeladores é uma história em quadrinhos de ficção que propõe uma nova roupagem para as lendas e personalidades folclóricas brasileiras. Trazendo os mitos para o nosso tempo e os colocando no contexto urbano de São Paolo – cidade fictícia baseada na capital paulista – Zeladores brinca com o reconhecimento de lugares e eventos reais em meio a acontecimentos bombásticos. Não se trata de heróis uniformizados com roupas colantes e coloridas; no caso de Zeladores, o protagonista é um dos personagens mais carismáticos do folclore brasileiro: Zé Pilintra. Malandro, afrodescendente, habitante da noite e da boemia, é o mais humano dos seres do imaginário popular brasileiro. Acompanhado pelo melhor amigo – Opala 78, detetive paranormal – Zé Pilintra protege São Paolo de ameaças mágicas, agindo como um xerife do além. Neste número de Zeladores, ele enfrenta uma banda funk, reencontra o homem que o matou e visita a Caroxinha, o Barbarruiva e a Mulher de Branco, antes de ser invocado por uma bruxa e o Lobisomem verde dela. Isso tudo no primeiro terço da história.

Texto publicado no site HQ Maniacs em 15/09/2010. Disponível em: <http://hqmaniacs.uol.com.br/principal.asp?acao=noticias&cod_noticia=27240>.

A ideia de trabalhar com Pilintra nasceu quando eu estava trabalhando em uma empresa de produção cinematográfica. Meu trabalho era desenvolver conceitos para algumas séries de animação e, naquela época, estava procurando uma maneira de criar um grupo de super-heróis que tiveram uma forte base no folclore popular. Na fase de pesquisa desses personagens, eu e a equipe de desenvolvimento da produtora nos deparamos com um sem número de lendas e causos onde o sobrenatural atuava como um inimigo onipresente, impondo limites à curiosidade e ambição infinita do homem comum. Dada a natureza desses causos, de esmagadora maioria um tanto escuras e punitivas, alguns personagens se destacaram por seu contraste brutal. Pilintra era um desses. Eu tinha ido a alguns centros de Umbanda na vida, conhecia o Catimbó de vista, porque minha avó trouxe com ela o que aprendeu na juventude do nordeste, mas foi só quando estava engajado na pesquisa que pude conhecer um pouco mais do personagem e me apaixonei completamente pelas suas histórias, pelo seu universo. Do ponto de vista da criação de personagens, um verdadeiro achado. Era humano e, ao mesmo tempo, compartilhava algumas características divinas, transitando entre o mundo dos mortos e dos vivos, supostamente imortal e onipresente, capaz de ajudar quem precisasse em vários terreiros do país ou do planeta simultaneamente, bastando para isso riscar o seu ponto. Ele era um super-herói. Em 2009, a Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo abriu as inscrições para o PROAC HQ, que contemplava projetos de desenvolvimento de histórias em quadrinhos. Pensei que essa seria uma grande oportunidade para o projeto. Foi num papo com o Nathan, tentando explicar como estava difícil encontrar um caminho para a história que acabei pedindo sua ajuda e ele concordou em escrever o roteiro da HQ. Nathan Cornes é um dos maiores escritores que já tive o prazer de conhecer. Ele trabalhou com séries de animação, é muito rápido e o fato de termos trabalhado juntos em outros projetos e do cara ser um dos meus melhores amigos fez com que o trabalho começasse a decolar. Por decolar, diga-se um completo redesenho do projeto excluindo toda a parte religiosa e criando um universo contemporâneo, mais dinâmico e cartunesco para abrigar os personagens, todos releituras de lendas brasileiras. A partir desse momento, onde o Nathan escrevia como quem psicografa e eu desenhava como uma impressora a laser, posso dizer que dava pra sentir o Pilintra com a gente, entre uma chachaça e outra, sensação que se repetiu com cada vez mais frequência até a conclusão do projeto e seu lançamento, em 2010. A HQ ficou muito bacana e é um trabalho que me sinto horado de ter desenvolvido junto com o Nathan.


Depoimento de Anderson Almeida especialmente para o projeto Reconstruindo Exu.

Zeladores é um projeto de autoria de Nathan Cornes e Anderson Almeida. Abaixo estão algumas páginas da história, cuja versão completa pode ser lida no site oficial do projeto Zeladores: <http://www.zeladores.net/>.




Santinho de Zé Pilintra produzido por ocasião do lançamento da HQ "Zeladores".

sábado, 3 de agosto de 2013

Ogó de Exu


"Exu" - fotografia de Bauer Sá
Ogó é o nome dado ao instrumento de Exu, um bastão de formato fálico feito de madeira e cabaças que imitam a anatomia do pênis e guarda imensos poderes. O ogó simboliza o poder de criação capaz de perpetuar a vida. O trecho de texto abaixo foi retirado do blog Candomblé - o mundo dos orixás, e trata de um duelo entre Ossaim e Exu, que usa os poderes de seu ogó na peleja.

[...]
E então marcam um duelo.
Assim Osányìn foi consultar seus adivinhos temendo a morte. Os adivinhos dizem para Osányìn fazer ebo e não enfrentar Èsù, pois ele é um homem muito forte. Osányìn retruca dizendo:
- Imagine se por causa de Èsù, eu farei ebo, pois Èsù só possui sabedoria e não força! Eu sou poderoso, pois sou o grande mago e poderoso feiticeiro!
E lá se foi Osányìn ter o encontro com Èsù, na oritá (encruzilhada de três pontas). Chegando lá, Èsù diz:
- Você, Osányìn, não sabe que uma pessoa que tentaram matar na vida e não conseguiram, sou eu e somente eu mato e mando para o mundo dos mortos?
Dai então começaram a trocar provocações, cada um dizendo que era mais forte do que outro. Então Èsù diz:
- Se você Osányìn, realmente é forte, teste seu àse.
Mas foi Èsù quem primeiro testou seu àse, dizendo:
- Se eu empurrar essa árvore, ela cairá sobre você!
Èsù empurra a árvore, Osányìn consegue sair fora para não ser atingido. Èsù diz:
- Se eu encostar meu Ogó em você, você será queimado!
Èsù encostou e Osányìn não queimou, só saiu fumaça. Osányìn diz:
- Èsù, o que você viu são minhas proteções, razão pela qual você não consegue me fazer mal.
Èsù fica mais irritado e diz:
- Osányìn, com essa minha bengala (Ogó - bastão de Èsù), se eu bater no chão, vai brotar água e lhe cercar.
E assim Èsù fez e a água começou a cercar Osányìn. Mesmo vendo que a força de Èsú era maior que a sua Osányìn entra em luta corporal com Èsù. Depois de algum tempo, Osányìn percebe que não iria vencer Èsù e então implora a Èsù que pare a luta e que o desculpe. Èsù diz que não lhe desculpa, pois Osányìn havia lhe desrespeitado. Èsù então lança mão de seu Ogó e golpeia a perna de Osányìn, que fica quebrada. Então Èsù diz:
- Se eu lhe matar agora, você nunca saberá o valor de minha força, porém eu lhe castigarei.
Pega o Ogó novamente e golpeia a cabeça de Osányìn, o qual perde a fala depois da pancada. Osányìn se levanta, sai correndo e vai ter com seus adivinhos, para ver se encontrava alívio para o seu sofrimento. Ele queria ser curado. Eles lhe dizem:
- Você foi brigar com Èsù Òdàrà, que é mais forte do que você, você não sabia que ele é o líder dos òrìsà? Não há nenhuma divindade que desafie Èsù. Em razão desse desafio à Èsù, nada podemos fazer.
[...]

Texto completo disponível em: <http://ocandomble.wordpress.com/2013/05/27/o-poder-da-palavra/>.