segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Exus da Espanha: Maria Padilha

María de Padilla nua diante de Pedro I, em gravura do artista
francês Jean Louis Paul Gervais (1859 - 1944).

Na umbanda os exus e pombagiras representam uma classe de espíritos que, não raro, passaram por uma vida terrena. Durante a investigação sobre a relação entre essas entidades e a cultura espanhola apontamos que algumas delas nasceram e viveram em diferentes locais da Espanha antes de ascender ao status de espíritos da chamada linha de esquerda.
Uma das pombagiras mais populares da umbanda, cuja biografia está incorporada à história da Espanha, é Maria Padilha.

María de Padilla - a personagem histórica

María de Padilla é uma figura polêmica na história da Espanha. De origem nobre, nasceu na cidade de Palencia, em 1334. Em 1352, aos 18 anos, conheceu Pedro I, o Cruel, rei de Castilla, e logo tornou-se sua amante. Entretanto, Pedro I já estava comprometido com um casamento arranjado com Blanche de Bourbon, filha do Duque Pierre I de Bourbon, selando uma aliança entre os reinos da França e Castilla. O matrimônio aconteceu no ano seguinte, em 1353.
A relação durou pouco: apenas dois dias após o casamento, Pedro abandonou Blanche para logo em seguida exilá-la e então assumir publicamente sua relação com María de Padilla. A decisão do rei dividiu a sociedade entre seus apoiadores e os que tomaram partido da rainha exilada. A situação de Pedro complicou-se com o envolvimento do Papa Inocencio VI, que o ameaçou de excomunhão. María, tentando desviar-se das ameaças do Papa, pediu-lhe permissão para fundar um monastério em sua província natal.

María de Padilla dá nome a rua no centro de Sevilha.
Foto de Leopoldo Tauffenbach.
Os banhos de María de Padilla no Real Alcazar de Sevilha.
Foto de Leopoldo Tauffenbach.
Os anos seguintes não foram tranquilos para o rei Pedro I. A pressão para que voltasse atrás em sua decisão aumentava a cada dia, juntamente com os partidários de Blanche de Bourbon. Isso o obrigava a mudar a soberana de cárcere constantemente. Mas a cada cidade que chegava, mais pessoas se sensibilizavam com sua causa. A situação tornou-se de tal modo insustentável que, em 1361, mandou assassinar Blanche para finalmente coroar María de Padilla. Mas a coroação nunca chegou a acontecer. Suspeita-se que a peste negra tenha sido a causa da prematura morte de María, em 1361, na cidade de Sevilha, com apenas 27 anos.
Sua história é notada até hoje na cidade onde viveu seus últimos dias. María de Padilha dá nome a ruas e ao complexo balneário do antigo palácio real. Seus restos mortais repousam na cripta da Capela Real da majestosa Catedral de Sevilha. Foi também tema de gravuras e pinturas, além de uma ópera composta pelo prolífico italiano Domenico Gaetano Donizetti, apresentada pela primeira vez em 1841.



Maria Padilha - a entidade espiritual

Imagem de Maria Padilha produzida por Imagens Bahia.
Foto de Leopoldo Tauffenbach.
É difícil precisar o momento em que a espanhola María de Padilla se apresenta como uma pombagira. Na umbanda os espíritos se revelam diretamente aos médiuns. Assim é de se supor que em algum momento o espírito da nobre palenciana comunicou-se com algum médium e declarou seu propósito de contribuir com a humanidade desde o além, junto a outras pombagiras.
Não é incomum encontrarmos contradições em relação à sua história como entidade espiritual, já que cada fonte diz conhecer sua verdadeira história. Tampouco é incomum encontrarmos adições fantasiosas à sua biografia terrena, como a que diz que havia sido instruída na magia negra por um mestre judeu e que havia lançado um feitiço para afastar Pedro I de Blanche de Bourbon.
Mas há de se reconhecer que a história de María de Padilla possui elementos suficientes para alimentar o imaginário e sustentar as lendas que envolvem a pombagira Maria Padilha. A ideia de uma jovem extremamente sedutora, capaz de levar um poderoso monarca à perdição, e a coincidência entre o assassinato de Blanche e a peste, que parece chegar como castigo poucos meses depois, constituem elementos que vão de encontro às expectativas nas narrativas que envolvem as pombagiras além de reforçar as ideias de carma e resgate presentes na umbanda.
Seu ponto cantado não faz referência ao seu passado como cortesã espanhola, mencionando apenas sua posição como entidade sobrenatural e seu compromisso em ajudar os aflitos que a invocam:

Perambulava pelas ruas
Já sem saber o que fazer
Procurava na noite
Uma solução pra tanta dor
Sofrimento e solidão
Então eu clamei ao povo da rua
Que me enviasse no momento alguma ajuda
Pois eu já não tinha forças pra continuar
Quando me virei, vi uma mulher
Na beira da estrada
Trazia uma rosa em sua mão
Um feitiço no olhar
Naquela bela noite de luar
Vislumbrei sua dança com sua saia a rodar
Eu me aproximei e lhe perguntei o que ela fazia na estrada
Ela respondeu: Hoje sou rainha e vim lhe ajudar

Sou Maria Padilha
Salve Maria Padilha!
Quando precisei, oh pombogira, você veio me ajudar
Tu deste outro rumo a minha vida
Hoje eu venho te louvar!


Ponto riscado de Maria Padilha.
Maria Padilha tornou-se não só uma entidade, mas sinônimo de uma linha de pombagiras distintas que compartilham características comuns, como Maria Padilha das Almas, Maria Padilha da Encruzilhada, Maria Padilha Rainha etc (para mais informações consulte o link os nomes de Pombagira).

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Exu na MPB


Em 1926 a Odeon assumiria sua fábrica brasileira das mãos da Casa Edison e em 1929 chegavam ao país as gravadoras multinacionais Victor e Columbia. Naquele fim de anos 20 as gravações eletromagnéticas sobrepunham-se definitivamente sobre as mecânicas e o microfone abria um mundo de possibilidades. Com a popularização das vitrolas, os registros musicais comerciais encontravam o formato que seria seu padrão por décadas: chapas de dez polegadas, feitas de cera de carnaúba e goma-laca, girando a 78 rotações por minuto.
Mas a essa altura, pelos anos 20, o imaginário da cultura afrobrasileira já se infiltrava intensamente na música popular, e os ritmos tornavam-se mais foco de atenção. Vários sambas falavam em “macumba” e/ou assimilivam modos, termos, imaginário dos rituais afrobrasileiros.
Donga era mestre em incontáveis adaptações de temas populares, desde pelo menos o “primeiro samba” “Pelo telefone” em 1917. “Sai Exu” era tema assinado por ele, classificado como “jongo”, tirado do repertório d’Os Oito Batutas e com eles gravado em 1928 pelo ex-crooner da Orquestra Típica Pixinguinha-Donga, Benício Barbosa (no mesmo ano em que também lançou o samba “Candomblé”, de Dario Ferreira). Além do refrão “Vamos saravá”, a letra diz: “Tenho o corpo fechado pra receber o que vié / Pode mandá pra cima de mim teu sujo candomblé” e “Pode fazê despacho com cabeça de urubu / Hei de sair à rua gritando sempre sai exu”. De fato, a relação dos rituais afrobrasileiros com o samba era íntima, desde pelo menos os batuques da casa de Tia Ciata, frequentada por Donga e Sinhô, e tudo que ela trouxe da Bahia – maior concentração de pretos no país que mais recebeu africanos escravizados.



Texto e gravação retirados do site Goma-Laca, disponível em <http://www.goma-laca.com/portfolio/as-mais-antigas-gravacoes-de-temas-afrobrasileiros/>. Indicação do pesquisador Carlos Primati.

Em 1966 os compositores Baden Powell e Vinicius de Moraes lançam o disco "Os Afro-Sambas". Comenta o próprio Vinicius, na contra-capa do LP:
Essas antenas que Baden tem ligadas para a Bahia e, em última instância, para a África, permitiram-lhe realizar um novo sincretismo , carioquizar, dentro do espírito samba moderno, o candomblé afro-brasileiro, dando-lhe ao mesmo tempo uma dimensão mais universal. Quando Roberto Quartin nos procurou interessado em gravar esta série, combinamos com o jovem e talentoso produtor que o disco seria feito com um máximo de liberdade criadora e um mínimo de interesse comercial.Não nos interessava fazer um disco “bem feito” do ponto de vista artesanal, mas sim espontâneo, buscando a transmissão simples do que queriam nossos sambas dizer. Gravaríamos, inclusive, faixas mais longas do que gostam os homens de rádio e consequentemente a maior parte dos nossos intérpretes. E Embora não sejamos cantores, no sentido profissional da palavra, preferimos gravá-los nós mesmos a entregá-los a cantores e cantoras que realmente distorcem a melodia e o ritmo das canções em benefício de seu modo comercial de cantar ou de suas deformações profissionais adquiridas no sucesso efêmero junto a um público menos exigente. Assim estamos certos de que, pelo menos, gravamos uma matriz simples e correta, sem modismos nem sofisticações.



A banda Metá Metá surgiu em 2011, composta pelo multi-artista Kiko Dinucci, a cantora Juçara Marçal e o saxofonista Thiago França. "Exu" é a faixa que abre o segundo álbum da banda, intitulado "MetaL MetaL", que pode ser baixado gratuitamente no site de Kiko Dinucci.


O cantor Itamar Assumpção (1949-2003) era bisneto de angolanos feitos escravos e criado no candomblé. Suas músicas mesclavam diferentes gêneros musicais e abordavam diversos temas, das críticas sociais ao imaginário religioso afro-brasileiro. "Zé Pelintra" é uma faixa de seu quarto disco, "Intercontinental! Quem Diria! Era Só o Que Faltava!!!", o único lançado por uma grande gravadora.