segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Pontos riscados de exu

Página do livro "Exu", de Aluizio Fontenelle.

O processo de evocação das entidades na umbanda e na quimbanda apoia-se em diversas etapas e procedimentos rituais. Um deles é pelo ponto riscado, símbolo exclusivo de identificação de cada entidade.

O ponto riscado é um símbolo gráfico em cujas linhas guarda-se a identidade de um determinado exu ou pombagira tal como as letras do alfabeto combinadas fazem com o nome. Os pontos riscados são únicos e servem para rituais de evocação de determinada entidade. Em geral, desenha-se o ponto com a pemba, um giz ritual, se o desenho tiver caráter temporário. 

Segundo o antropólogo Vagner Gonçalves da Silva, "este ato, chamado de 'firmar o ponto', visa construir um centro de força para a realização de operações mágicas. Sobre este emblema, os Exus podem, por exemplo, queimar pólvora ou papéis contendo os pedidos escritos das pessoas."

Ao fim da cerimônia, o ponto é apagado com bucha vegetal. Mas o ponto também pode ser desenhado de maneira definitiva se tratar de uma entidade protetora da casa ou de seus membros.

O modo como cada ponto deve ser desenhado é passado adiante pelos sacerdotes aos devotos e aprendizes dentro do cotidiano dos terreiros e barracões. A bibliografia existente sobre este tema específico costuma ser conflitante. Nem todos os símbolos são apresentados igualmente e vemos autores proclamando possuírem informações mais precisas que os outros. As informações disponíveis na internet não se apresentam diferente.

Ponto riscado de Exu Maioral, em versão baseada
no esoterismo judaico-cristão.
Retirado do livro "Exu" de Aluizio Fontenelle.

Ainda de acordo com Vagner Gonçalves da Silva, os pontos de exus e pombagiras tomam como base a figura do tridente para gerar variações e outros signos que compõem os diversos pontos riscados. Entretanto, obras de forte inclinação kardecista, como "Exu" de Aluizio Fontenelle e "O Livros dos Exus" de Antonio de Alva, apresentam também pontos riscados baseados em símbolos esotéricos de tradição judaico-cristã.

Os pontos reproduzidos abaixo são facilmente encontrados em diversos sites, entretanto a autoria destes arquivos em particular não pode ser determinada. Clique sobre as imagens para vê-las em tamanho ampliado.












segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Exu na Argentina e Uruguai - parte 2

"Pomba Gira da Praia"
Obra da exposição "Dueños de la encrucijada"

Exu e Pombagira são entidades espirituais celebradas nos cultos de raiz africana, um aspecto da cultura regional amplamente invisibilizado que, entre a incompreensão e o descrédito, segue crescendo à revelia de todos, abundantemente, nas cidades e suas periferias. Existe neste campo uma identidade comum bem evidente entre Buenos Aires e Montevideo, enriquecida por constantes intercâmbios, viagens e influências entre si de religiosos de ambos países, que majoritariamente, ainda que não todos, reconhecem como fonte histórica a sua prática em Porto Alegre e outras cidades do Brasil. E uma vez estabelecido tal fonte cultural e geográfica, um fenômeno em particular nos oferece uma imagem mais fiel do presente: a expansão do culto a Exu e Pombagira, a quimbanda, vinda do Brasil e resignificada no Uruguai.

Dois aspectos da mesma entidade espiritual, Exu e Pombagira são Exu macho e Exu fêmea.

Exu, um dos orixás ou divindades que chegaram à América com os escravos africanos, foi alterando sua identidade até que, entregue a uma certa hipertrofia ou um crescimento desmedido do organismo ritual, terminou por gerar um culto à parte. E se os demais deuses encontraram sua identificação em figuras católicas como santos, virgens e até mesmo em Jesus, dentro de um fenômeno conhecido como sincretismo, o papel que coube a Exu e Pombagira não foi outro que o de demônios.

"Infierno" de León Ferrari.

Nesta exposição, um claro recorte do resto do vasto panteão de divindades afro-latino-americanas, observamos Exu em sua multiplicidade contraditória, em sua identificação como espírito mas também como orixá ou divindade, para terminar de abrir as comportas à riqueza complexa de obras de arte derivadas de una teologia contemporânea.

Nossa aproximação a estas questões por uma perspectiva das artes visuais se estrutura mediante as fotografias de altares de Guillermo Srodek Hart, obras de artistas contemporâneos de ambos países que trabalham em relação ao tema e a apresentação de algumas peças de arte litúrgica.

As fotos de Srodek Hart, cujo registro aproveita a profundidade da imagem que proporciona uma câmera de 4x5 polegadas, foram realizadas pensando em expor a diversidade de resoluções estéticas que apresentam os altares escolhido; estes são um reflexo de tendências e estilos próprios da personalidade de seus autores, religiosos que se evidenciam assim como artistas por vontade própria diante de suas contundentes instalações.

"Altar de Pomba Gira del Pai Alberto de Oxalá"
de Guillermo Srodek Hart

Os artistas contemporâneos que exibimos dialogam a partir de seus diversos processos. São eles: Dany Barreto, Marcelo Bordese, Nora Correas, León Ferrari, Ángela López Ruiz, Diego Perrotta, Nico Sara, Melina Scumburdis, Gustavo Tabares, Anabel Vanoni, Margaret Whyte, Guillermo Zabaleta. Alguns estão comprometidos com a temática de modo direto e realizam obras que são os relatos de suas vidas religiosas, outros a reconhecem como m produto cultural que nos inspira e são apresentados por encontrarem-se em caminhos coincidentes. Há uma circularidade conceitual entre todos eles, assim como uma necessária confusão de sentidos. Seus trabalhos refletem distintos aspectos do fenômeno: Exu e Pombagira são sexo, criação, comunicadores, transgressores, chaves, o cachorro, malandros, demônios, belos, irônicos. Muitas dessas características são visíveis nestas obras.

Ao mostrar peças de origem ritual tentamos tanto mostrar uma obra de arte peculiar como refletir a respeito de seus modos de produção. Temos peças semi-anônimas e outras em série que apontam na direção das formas a serviço de um conceito.

Conjunto de ferramentas de Exu e Pombagira

Contextualizando, o cenário da arte contemporânea já digeriu a presença explícita do tema afro-religioso na obra de muitos artistas internacionais, começando por Wifredo Lam, Rubem Valentim e chegando a José Bedia, Belkis Ayón, Ana Mendieta, Jean-Michel Basquiat, Mario Cravo Neto. Em relação ao Río de la Plata, sobre a herança da população africana que resultou na base do tango e de outros aspectos da cultura de ambos países, tal como registrou Pedro Figari, é onde se assenta a umbanda vinda do Brasil em meados do século XX. Então já temos Exu por aqui. Não é de se estranhar que há surgido arte de sua sombra.

A arte de Exu e Pombagira exala uma poética que é fruto da relação com um mistério e oferece chaves para compreender eventos que já formam parte da cultura rioplatense. Nascido por uma cosmovisão e uma prática e transformado para formar um contínuo estético diferencial.

Texto de Juan Batalla para a exposição "Dueños de la encrucijada - estéticas de Exú y Pomba Gira en el Río de la Plata". Disponível em: <http://www.arteenlared.com/2009/esteticas-de-exu-y-pomba-gira-en-el-rio-de-la-plata.html>.
Dueños de la encrucijada - estéticas de Exú y Pomba Gira en el Río de la Plata
Montevideo: 28 de abril a 8 de junho de 2009. Museo de Bellas Artes Juan Manuel Blanes
Buenos Aires: 6 a 30 de agosto de 2009. Centro Cultural Ricardo Rojas.

"Exú La Murciélaga" de Dany Barreto

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Exu na Argentina e Uruguai - parte 1

Vitrine da loja Santería Llama Sagrada, em Montevideo.
Foto de Guillermo Srodek Hart.

A influência da religiosidade africana não se restringe aos limites geográficos do Brasil na América do Sul. Não bastasse a existência de 200 terreiros de umbanda em Montevidéu, capital uruguaia, Buenos Aires já conta com mil deles.
Tais dados, apurados após investigação do antropólogo gaúcho Ari Pedro Oro, que escreveu o livro "Axé Mercosul" (1999, editora Vozes), surpreendem pelo fato de Buenos Aires ser formada por uma população majoritariamente branca. O traço étnico minoritário na capital argentina é o dos índios. Negros, não há.
"A implantação da umbanda, batuque e candomblé nessas e em outras cidades da Argentina e do Uruguai se iniciou há cerca de 30 anos", diz Oro, que é professor de antropologia do programa de pós-graduação da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). A influência da religiosidade afro-brasileira, de acordo com o antropólogo, parte do Rio Grande do Sul.

Loja de artigos religiosos em Montevideo.
Foto de Gonzalo Mega. Disponível em:
<http://fermentario.blogspot.com.br/2012/08/mercantilizacion-de-lo-sagrado.html>

Os primeiros templos de religião africana a se instalar na Argentina foram os de Nélida (Baños) de Oxum, em 1966, e Elio (Machado) de Iemanjá, dois anos depois.
Os dois templos foram registrados no Registro Nacional de Cultos em 1970. Começaram pela umbanda e, em 1973, adotaram o "africanismo" (batuque).
Nélida e Elio são considerados precursores. Em 1979, segundo o antropólogo argentino Alejandro Frigerio, Elio de Iemanjá fundou a Confederação Espírita Umbandista.
Outras histórias contam, por exemplo, que a origem das religiões afro na Argentina está em três travestis que trabalhavam na noite de Rivera (cidade uruguaia que faz divisa com a brasileira Santana do Livramento) na década de 50.
Em Santana do Livramento os três teriam conhecido a mãe-de-santo Teta de Oxalá (Hipólita Lima), que os influenciou. O travesti Santiago Paves, a "Mara de Bará", foi para Buenos Aires e manteve uma clientela fixa.
O antropólogo Alejandro Frigerio diz que realmente "Mara" existiu e foi um dos precursores de religiões afro em Buenos Aires. É possível que a história dela não seja contada oficialmente devido ao preconceito contra o homossexualismo [sic].

Trecho de reportagem de Leo Gerchmann para o Jornal Folha de São Paulo, publicada em 9 de abril de 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft0904200010.htm>.

Mediuns caracterizados como exus no terreiro de Pae Alberto Tata, em Buenos Aires.
Disponível em <https://www.facebook.com/paealberto.tatai/media_set?set=a.1327801650579514.1073741846.100000490756264&type=3>

Mediuns caracterizados como exus no terreiro de Pae Alberto Tata, em Buenos Aires.
Disponível em <https://www.facebook.com/paealberto.tatai/media_set?set=a.1327801650579514.1073741846.100000490756264&type=3>

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Exu no carnaval

http://oglobo.globo.com/rio/carnaval/2016/mangueira-ganha-estandarte-de-ouro-de-melhor-escola-18638186
 
Em 2016, Exu mais uma vez se fez presente no carnaval. O Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro (RJ) apresentou o enredo "Ópera dos Malandros". Inspirado na obra "Ópera do Malandro", de Chico Buarque, tratou do universo da boemia e da malandragem carioca. Dos bares e cabarés, passando por "Geni e o zepelim" e personalidades como Bezerra da Silva e Dicró, a escola de samba levou quase 4000 componentes à avenida, divididos em 31 alas.

http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/carnaval/2016/noticia/2016/02/exu-da-comissao-do-salgueiro-fala-sobre-assedio-na-web-sempre-bom.html

Na comissão de frente o ator Demerson D'Alvaro foi o destaque, caracterizado como Exu, liderando um séquito de malandros e mulheres da noite. D'Alvaro também chamou a atenção por sua beleza e pelos assédios recebidos nas redes sociais.
 
Por outro lado, a atriz Viviane Araújo, rainha da bateria, foi alvo de críticas ao se caracterizar como a pombagira Maria Padilha ainda durante o ensaio técnico da escola. Mesmo rebatendo as críticas de modo tranquilo, a atriz apareceu com uma fantasia diferente durante o desfile.

http://blogjornalextra.blogspot.com.br/2016/02/retratos-da-vida-retratosdavida-5-de.html

A ala das baianas do Salgueiro apresentou o tema "Ópera Carmen, a pomba gira de Bizet" e Zé Pelintra deu o tom da caracterização de muitos dos malandros ali representados.

http://carnaval.uol.com.br/2016/rio-de-janeiro/album/escolas-de-samba/2016/01/04/salgueiro.htm

"Na figura do Zé Pilintra, entidade das mais importantes das religiões africanas que é exaltada no enredo, o malandro, de chapéu, terno branco e sapato bicolor ou na versão de camiseta listrada, sambou "num palco sob as estrelas", acompanhado de componentes caracterizados como a Pomba Gira. Potentes, as performances foram muito aplaudidas. A escola ganhou o público, que a saudou como campeã na dispersão."
Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2016/02/09/salgueiro-faz-ode-ao-malandro-e-vila-isabel-conta-vida-de-miguel-arraes.htm>.

http://odia.ig.com.br/diversao/carnaval/2016-02-09/salgueiro-faz-desfile-arrebatador-com-enredo-exaltando-a-malandragem.html

Abaixo a letra do samba enredo do Salgueiro:

Laroiê, mojubá, axé!
Salve o povo de fé, me dê licença!
Eu vou pra rua que a lua me chamou
Refletida em meu chapéu
O rei da noite eu sou
Num palco sob as estrelas
De linho branco vou me apresentar
Malandro descendo a ladeira… Ê, zé!
Da ginga e do bicolor no pé
“Pra se viver do amor” pelas calçadas
Um mestre-sala das madrugadas

Ê, filho da sorte eu sou
Vento sopra a meu favor
Gira sorte, gira mundo, malandro deixa girar
Quem dá as cartas sou eu, pode apostar!

O samba vadio, meu povo a cantar
Dia a dia, bar em bar
Eis minha filosofia
Nos braços da boemia, me deixo levar…
Eu vou por becos e vielas
Chegou o barão das favelas
Quem me protege não dorme
Meu santo é forte, é quem me guia
Na luta de cada manhã
Um mensageiro da paz
De larôs e saravás

É que eu sou malandro, batuqueiro
Cria lá do morro do salgueiro
Se não acredita, vem no meu samba pra ver
O couro vai comer!