terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Lucero

Palo Mayombe, ou simplesmente Palo, é um culto surgido entre os escravos africanos provenientes da região do Congo que aportaram em Cuba. Segundo a sabedoria popular, o nome é uma referência à utilização de paus para a confecção de altares improvisados para a realização de cultos a divindades, chamadas de mpungos. O Palo Mayombe espalhou-se para outros países da América do Sul e Central, como Venezuela e México. A versão sincrética do culto é chamada de Palo Cristiano.

Assentamento (altar) de Lucero. Disponível em:
http://palomontenegro.blogspot.com.es/2012/03/los-veintiun-caminos-de-lucero.html

No Palo Mayombe a entidade que equivale a Exu chama-se Lucero. A entidade também é chamada de Mañunga e Nkuyo. Suas cores são o preto e o vermelho, e é o senhor dos caminhos, apresentando-se sob 21 formas diferentes. São elas:
Lucero Aprueba Fuerza: o senhor das ferrovias.
Lucero Busca Buya: o responsável pelas delegacias.
Lucero Casco Duro: o que vive nas lagoas.
Lucero Catilemba: o que trabalha junto a Kobayende (Omolu/Obaluaê).
Lucero Endaya: o senhor das profundezas.
Lucero Jaguey Grande: o que vive nas montanhas.
Lucero Kabanquiriryó: o que vive nas trevas.
Lucero Kunambembe: o senhor do bem e do mal.
Lucero Madrugá: o que vive perto da Lua.
Lucero Monte Oscuro: o que vive nos trilhos.
Lucero Mundo Nuevo: o que vive nas prisões.
Lucero Patasueño: o que vive nas encruzilhadas.
Lucero Pitilanga: o que vive na praia.
Lucero Prima: o senhor do crepúsculo.
Lucero Rompe Monte: o que vive no teto das casas.
Lucero Sabicunanguasa: o que vive na beira do rio.
Lucero Siete Puerta: o que vive na escuridão.
Lucero Talatarde: senhor das doenças que vive nos hospitais.
Lucero Tronco Malva: o que vive nas quatro esquinas.
Lucero Vence Guerra: o que vive nos problemas.
Lucero Vira Mundo: o que vive nas portas dos cemitérios.

Lucero é assentado - ou firmado - em um arranjo chamado de prenda. As prendas contém diversos elementos intrínsecos a Lucero, como terra dos locais que habita, assessórios que pode usar, ingredientes de seus pratos favoritos etc, de forma a criar um referencial material à entidade.

Ouça o ponto cantado para Lucero:


segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Pombagira

"Pombagira Rosinha" - Leopoldo Tauffenbach, 2010.
<http://www.flickr.com/photos/tauffenbach/7988885954/in/set-72157631542645557>


Na língua ritual dos candomblés angola (de tradição banto), o nome de Exu é Bongbogirá.  Certamente Pombagira (Pomba Gira) é uma corruptela de Bongbogirá, e esse nome acabou por se restringir à qualidade feminina de Exu (Augras, 1989).  Na umbanda, formada nos anos 30 deste século do encontro de tradições religiosas afro-brasileiras com o espiritismo Kardecista francês, Pombagira faz parte do panteão de entidades que trabalham na "esquerda", isto é, que podem ser invocadas para "trabalhar para o mal", em contraste com aquelas entidades da "direita", que só seriam invocadas em nome do "bem" (Camargo, 1961: Prandi, 1991a).

Dona Pombagira, que tem um lugar muito especial nas religiões afro-brasileiras, pode também ser encontrada nos espaços não religiosos da cultura brasileira: nas novelas de televisão, no cinema, na música popular, nas conversas do dia-a-dia.  Por influência kardecista na umbanda, Pombagira é o espírito de uma mulher (e não o orixá) que em vida teria sido uma prostituta ou cortesã, mulher de baixos princípios morais, capaz de dominar os homens por suas proezas sexuais, amante do luxo, do dinheiro, e de toda sorte de prazeres.

No Brasil, sobretudo entre as populações pobres urbanas, é comum apelar a Pombagira para a solução de problemas relacionados a fracassos e desejos da vida amorosa e da sexualidade, além de inúmeros outros que envolvem situações de aflição.  Estudar os cultos da Pombagira permite-nos entender algo das aspirações e frustrações de largas parcelas da população que estão muito distantes de um código de ética e moralidade embasado em valores da tradição ocidental cristã. Pois para Dona Pombagira qualquer desejo pode ser atendido: não há limites para a fantasia humana.

Trechos do artigo Pombagira e as faces inconfessas do Brasil, de Reginaldo Prandi. Disponível em: <http://www.fflch.usp.br/sociologia/prandi/pombagi.htm>.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Origens de Exu - parte 6: Exu no Novo Mundo

Série de postagens a respeito das origens de Exu com base na investigação de Pierre Verger, apresentada no livro Orixás - Deuses Iorubás na África e no Novo Mundo.

Ogó de Exu. Nigéria, século XIX.
Acervo do Art Institute of Chicago.

Oriundos de diversas partes do continente, os africanos que aportaram nas Américas não possuíam, portanto, uma religião unificada, ainda que muitos deuses (orixás) fossem os mesmos. Por outro lado, os próprios orixás possuem múltiplos aspectos ou facetas, como cita Pierre Verger no livro Orixás - Deuses Iorubás na África e no Novo Mundo, ao falar de Exu:

"Diz-se na Bahia que existem vinte e um Exus, segundo uns, e apenas sete, segundo outros. Alguns dos seus nomes podem passar por apelidos, outros parecem ser letras dos cânticos ou fórmulas de louvores. Eis alguns: Exu-Elegbá ou Exu-Elegbará e seus possíveis derivados: Exu-Bará ou Exu-Ibará, Exu-Alaketo, Exu-Laalu, Exu-Jeto, Exu-Akessan, Exu-Loná, Exu-Agbô, Exu-Larôye, Exu-Inan, Exu-Odora, Exu-Tiriri."

Assim, conforme os africanos vão se agrupando pelo continente, vão estruturando os cultos aos orixás de acordo com as condições que lhes são impostas. Não sendo estas condições idênticas em cada local, os cultos se apresentam sob diferentes nomes e estruturas rituais. Deste modo, não é de se estranhar que Exu igualmente se materialize sob diferentes características e nomes.
No Brasil, Exu permanece como orixá no Candomblé, mas se apresenta como um espírito na Umbanda e na Quimbanda. Neste caso, é chamado exu quando masculino e pombagira quando feminino.
Em Cuba o culto aos orixás é chamado Santería, e o equivalente a Exu é chamado Eleguá e cultuado sob a forma de orixá. A Santería também aportou em outros países da América Latina, como Venezuela e Peru. Também em Cuba desenvolve-se o Palo Mayombe, ou Palo Monte, ou simplesmente Palo e o culto a Lucero. O Palo Mayombe também chega a diversos paises da América do Sul e América Central, incluindo o México.
No Haiti desenvolve-se o Vodu e o culto a Papa Legba.
Por fim, no Suriname, Exu assume o nome Leba no culto conhecido como Winti.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Origens de Exu - parte 5: Exu no Brasil

 Série de postagens a respeito das origens de Exu com base na investigação de Pierre Verger, apresentada no livro Orixás - Deuses Iorubás na África e no Novo Mundo.

"Exu" - relevo de Carybé que integra o Painel dos Orixás.
Acervo do Museu Afro-Brasileiro - UFBA

No Brasil, como em Cuba, Exu foi sincretizado com o Diabo. Não inspira, porém, grande terror, pois sabe-se que, quando tratado convenientemente, ele trabalha para o bem, quer dizer, pode ser enviado para fazer mal às pessoas más ou àquelas que nos prejudicam ou, ainda, àquelas que nos causam ressentimentos.
Chamam-no, familiarmente, o “Compadre” ou o “Homem das Encruzilhadas” , pois é nesses lugares que se depositam, de preferência, as oferendas que lhe são destinadas.
Poucas pessoas lhe são abertamente consagradas em razão desse suposto sincretismo com o Diabo. A tendência, logo que ele se manifesta, é de acalmá-lo, de fixá-lo, oferecendo-lhe sacrifícios e procedendo à iniciação da pessoa interessada em proveito de seu irmão Ogum, com o qual Exu divide um caráter violento e arrebatado.
O lugar consagrado a Exu é, geralmente, ao ar livre ou no interior de uma pequena choupana isolada ou, ainda, atrás da porta da casa. É simbolizado por um tridente de ferro, plantado sobre um  montículo de terra e, algumas vezes, por uma imagem, igualmente de ferro, representando o Diabo Brandindo o tridente.
A segunda-feira é o dia da semana consagrado a ele. As pessoas que procuram a sua proteção usam colares de contas pretas e vermelhas. As oferendas, de animais e comida, como na áfrica, são-lhe apresentadas antes das dos outros orixás.

Trechos retirados do livro Orixás - Deuses Iorubás na África e no Novo Mundo, de Pierre Fatumbi Verger. Salvador: Corrupio, 1981.

domingo, 12 de janeiro de 2014

Origens de Exu - parte 4: Orixás e sincretismo na América

Série de postagens a respeito das origens de Exu com base na investigação de Pierre Verger, apresentada no livro Orixás - Deuses Iorubás na África e no Novo Mundo.

Ogó de Exu. Nigéria, século XX.
Acervo do Metropolitan Museum of Art.

A presença dessas religiões africanas no novo mundo é uma conseqüência imprevista do tráfico de escravos. Escravos estes que foram trazidos para os diferentes países das Américas e das Antilhas, provenientes de regiões da África escalonadas de maneira descontínua, ao longo da costa ocidental, entre Senegâmbia e Angola. Provenientes, também, da costa oriental de Moçambique e da ilha de São Lourenço, nome dado época a Madagascar. 
Disso resultou, no Novo Mundo, Uma multidão de cativos que não falava a mesma língua, possuindo hábitos de vida diferentes e religiões distintas. Em comum, não tinham senão a infelicidade de estar, todos eles, reduzidos à escravidão, longe das suas terras de origem.
[...]
As convicções religiosas dos escravos eram, entretanto, colocadas a duras provas quando de sua chegada ao Novo Mundo, onde eram batizados obrigatoriamente "para a salvação de sua alma" e devia curvar-se às doutrinas religiosas de seus mestres.

Sincretismo

É difícil precisar o momento exato em que esse sincretismo se estabeleceu. Parece ter-se baseado, de maneira geral, sobre detalhes das estampas religiosas que poderiam lembrar certas características dos deuses africanos.
[...]
Os santos católicos, ao se aproximarem dos deuses africanos, tornavam-se mais compreensíveis e familiares aos recém-convertidos. É difícil saber se essa tentativa contribuiu efetivamente para converter os africanos, ou se ela os encorajou na utilização dos santos para dissimular as sua verdadeiras crenças.
[...]
Nos candomblés, as duas religiões permanecem separadas, e Nina Rodrigues constatava que, em fins do último século, a conversão religiosa não fez mais que justapor as exterioridades muito mal compreendidas do culto católico às suas crenças e práticas fetichistas que em nada se modificaram. Concebem os seus santos ou orixás e os santos católicos como de categoria igual, embora perfeitamente distintos.
Os africanos escravizados se declaravam e aparentavam convertidos ao catolicismo; as práticas fetichistas puderam manter-se entre eles até hoje quase tão extremes de mescla como na África. Depois, as viagens constantes para a África com navegação e relações comerciais diretas facilitaram a reimportação de crenças e práticas, porventura um momento esquecido ou adulterado. Com o passar do tempo, com a participação de descendentes de africanos e de mulatos cada vez mais numerosa, educada num igual respeito pelas duas religiões, tornaram-se eles tão sinceramente católicos quando vão à igreja, como ligados às tradições africanas, quando participam, zelosamente, das cerimônias de candomblé.

Trechos retirados do livro Orixás - Deuses Iorubás na África e no Novo Mundo, de Pierre Fatumbi Verger. Salvador: Corrupio, 1981.

sábado, 11 de janeiro de 2014

Origens de Exu - parte 3: Légba

Série de postagens a respeito das origens de Exu com base na investigação de Pierre Verger, apresentada no livro Orixás - Deuses Iorubás na África e no Novo Mundo.

Estátua de Legba em Ouidah, Benin.
<http://www.flickr.com/photos/moi_of_ra/386900492/>

Entre os fon do ex-Daomé, Èsù-Elégbára tem o nome de Légba. Ele é representado por um montículo de terra em forma de homem acocorado, ornado com um falo de tamanho respeitável. Esse detalhe deu motivo a observações escandalizadas, ou divertidas, de numerosos viajantes antigos e fizeram-no passar, erradamente, pelo deus da fornicação. Esse falo ereto nada mais é do que a afirmação de seu caráter truculento, atrevido e sem-vergonha e de seu desejo de chocar o decoro.

Trecho retirado do livro Orixás - Deuses Iorubás na África e no Novo Mundo, de Pierre Fatumbi Verger. Salvador: Corrupio, 1981.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Origens de Exu - parte 2: Exu na África

Série de postagens a respeito das origens de Exu com base na investigação de Pierre Verger, apresentada no livro Orixás - Deuses Iorubás na África e no Novo Mundo.


Escultura de Exu. Nigéria, século XIX.
Acervo do Staatliches Museum für Völkerkunde.

Exu é um orixá ou um ebo ra de múltiplos e contraditórios aspectos, o que torna difícil defini-lo de maneira coerente. De caráter irascível, ele gosta de suscitar dissensões e disputas, de provocar acidentes e calamidades públicas e privadas. É astucioso, grosseiro, vaidoso, indecente, a tal ponto que os primeiros missionários, assustados com essas características, compram-no ao diabo, dele fazendo o símbolo de tudo o que é maldade, perversidade, abjeção, ódio, em oposição à bondade, à pureza, à elevação e ao amor de Deus.
Entretanto, exu possui o seu lado bom e, se ele é tratado com consideração, reage favoravelmente, mostrando-se serviçal e prestativo. Se, pelo contrário, as pessoas se esquecerem de lhe oferecerem sacrifícios e oferendas, podem esperar todas as catástrofes Exu revela-se, talvez, dessa maneira o mais humano dos orixás, nem completamente mau, nem completamente bom.
[...]
Exu é o guardião dos templos, das casas, das cidades e das pessoas. É também ele que serve de intermediário entre os homens e os deuses. Por essa razão é que nada se faz sem ele e sem que oferendas lhe sejam feitas, antes e qualquer outro orixá, para neutralizar suas tendências a provocar mal-entendidos entre os seres humanos e em suas relações com os deuses e, até mesmo, dos deuses entre si.
[...]
O lugar consagrado a Exu entre os iorubás é constituído de um pedaço de pedra porosa, chamada Yangi, ou por um montículo de terra grosseiramente modelado na forma humana, com olhos, nariz e boca assinalados com búzios, ou então ele é representado por uma estátua, enfeitada com fieiras de búzios, tendo em suas mãos pequenas cabaças (àdó), contendo os pós por ele utilizados em seus trabalhos. Seus cabelos são presos numa longa trança, que cai para trás e forma, em cima, uma crista para esconder a lâmina de faca que lê tem no alto do crânio.

Trechos retirados do livro Orixás - Deuses Iorubás na África e no Novo Mundo, de Pierre Fatumbi Verger. Salvador: Corrupio, 1981.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Origens de Exu - parte 1: a definição de orixá

A partir de hoje damos início a uma série de postagens a respeito das origens de Exu com base na investigação de Pierre Verger, apresentada no livro Orixás - Deuses Iorubás na África e no Novo Mundo.

Bastão de madeira para ritual de Exu. Nigéria, século XIX.
Acervo do Brooklyn Museum.

Léo Frabenius é o primeiro a declarar, em 1910, que a religião dos iorubás tal como se apresenta atualmente só gradativamente tornou-se homogênea. Sua uniformidade é o resultado de adaptações e  amálgamas progressivos de crenças vindas de várias direções. Atualmente, setenta anos depois, ainda não há, em todos os pontos do território chamado Iorubá, um panteão dos orixás bem hierarquizado, único e idêntico.
[...]
O orixá é uma força pura, àe imaterial que só se torna perceptível aos seres humanos incorporando-se em um deles.
[...]
Voltando assim, momentaneamente, a terra, entre seus descentes, durante as cerimônias de evocação, os orixás dançam diante deles e com eles, recebem seus cumprimentos, “ouvem as suas queixas, aconselham, concedem graças, resolvem as suas desavenças e dão remédios para as suas dores e consolo para os seus infortúnios. O mundo celeste não está distante, nem superior, e o crente podem conversar diretamente com os deuses e aproveitar da sua benevolência”.
[...]
Na África, cada orixá estava ligado originalmente a uma cidade ou a um país inteiro. Tratava-se de uma série de cultos regionais ou nacionais, Sàngó em Oyó, Yemoja na região de Egbá, Iyewa em Egbado, Ògùn em Ekiti e Ondô, Òun em Ijexá e Ijebu, Erinlé em Ilobu, Lógunède em Ilexá, Otin em Inixá, Òàálà-Obàtálá em Ifé, subdivididos em Òàlúfon em Ifan e Òàgiyan em Ejigbô...

Trechos retirados do livro Orixás - Deuses Iorubás na África e no Novo Mundo, de Pierre Fatumbi Verger. Salvador: Corrupio, 1981.


domingo, 5 de janeiro de 2014

Exu e o Ano Novo - parte 2


O sacerdote de Santeria, ou babalawo, Jose Manuel Estrada, 24, borrifa rum na base da estátua de Eshu-Elegbara no mercado de Cuatro Caminos em Havana, Cuba, segunda, 30 de dezembro de 2013. Cerca de 200 pessoas se reuniram no mais importante mercado de Havana para entoar cantos cerimoniais na língua yorubá e cuspir rum em uma estátua de quase 1 metro banhada de sangue. Dois bodes e dois galos foram sacrificados e seu sangue foi usado para banhar a estátua. Devotos também ofertaram coco, melancia, doces e flores. (AP Photo/Franklin Reyes)

Disponível em:
Texto original em inglês. Tradução do blog Reconstruindo Exu. Acesse o link acima para mais fotos.