quinta-feira, 30 de maio de 2013

Exu como força de libertação

"Exu" - Jean-Michel Basquiat. 1988.

Sem dúvida [...] em compromissos com estratégias de disfarce perante o dominante, os Exus e Pombagiras associam-se às trevas, não apenas de forma metafísica, mas, acima de tudo, nas facetas sociais e políticas. Os Exus comportam a função de dar cidadania ao recalcado, de simbolizá-lo miticamente, do ponto de vista psicológico e social. Assim, se o reino da “esquerda” da umbanda (dos espíritos “sem luz”) guarda o escondido, é igualmente indócil às tentativas de dominação. Para o pesquisador, a umbanda, ao fazer seus adeptos lidarem com lados mais obscuros, reforça sua força libertária de ensinar o funcionamento dos aspectos sociais e coletivos menos exibíveis e, por isso, mais verdadeiros. “A ‘esquerda’ umbandista não é o mal metafísico, mas o pessoal e socialmente ‘mal dito’: a sensualidade, a revolta, a crítica mordaz, as falas inconvenientes, a falta de hipocrisia e o prazer sem mordaças. É a guardiã de um bem precioso: a liberdade, encarnando um sentido social de resistência e vitalidade”, explica. Nesse contexto, os Exus não são maus, embora possam ser (mal) vistos, a resposta ao mal como expropriação de si em prol de um bem do outro.

(Trecho tirado do excelente artigo A força social da Umbanda, de Carlos Haag. Disponível em: <http://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2011/10/084-089-188.pdf>)

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Mistério Exu

Quando iniciamos este trabalho, um dos objetivos era avaliar a imagem de Exu no contexto da contemporaneidade. Há muito a entidade deixou de ser exclusividade dos iniciados dos cultos afro-brasileiros e tornou-se parte do imaginário popular. Popular e pop. Exu está na música (com excelente exemplo da banda Gangrena Gasosa), nas historias em quadrinhos e no cinema. Também conquistou espaço no linguajar popular, tornando-se gíria e adentrou o espaço virtual das redes sociais, até sob a forma de memes e comunidades satíricas.
Sem uma regulação religiosa centralizada, perde-se o consenso universal, e ritos e mesmo entidades se transformam de acordo com o tempo e o lugar, para irem de encontro às expectativas e necessidades dos indivíduos. Exatamente como acontece com Exu. A contemporaneidade dita suas urgências e Exu flui por meio delas. Dada a própria natureza da entidade, não podia ser diferente.
Em nossas pesquisas buscamos encontrar todo tipo de material que evidencie essa movimentação, expondo as faces contemporâneas de Exu. E de todo material pesquisado até agora, o blog Mistério Exu talvez seja o melhor exemplo disso.

Imagem da Capela dos Exus, de Reverendo King Skull, editor do blog Mistério Exu

De autoria do Reverendo King Skull, Mistério Exu é um templo virtual às manifestações de Exu. Repleto de informações relevantes, alterna-se entre informação a respeito de exus e pombagiras - como histórico das entidades e dados a respeito das liturgias -, notícias relacionada e humor.
As notícias são o melhor exemplo da preocupação de King Skull em analisar a inserção das entidades no contexto contemporâneo. Uma das notícias, por exemplo, apresenta a proposta de regulamentação da prostituição sob a chamada "Pombagira News", lembrando da associação de algumas pombagiras com a atividade em seu passado humano. Outra postagem do dia 1º de maio mostra imagens de oferendas, desejando feliz dia do trabalho.
Mas o que mais chama a atenção é a belíssima Capela dos Exus, descrita por King Skull da seguinte maneira:
Tem gente que curte colecionar bonecos de super-heróis.
Outros curtem colecionar bonecos de vilões, dinossauros, zumbis e por aí vai.
Eu curto colecionar bonecos de Exus e Pombagiras, que também são uma espécie de super-heróis e de vilões do Astral, dependendo da situação.
Com o passar do tempo, a minha coleção de bonecos de Exus e Pombagiras cresceu, e eu simplesmente passei a chamá-la de capela, após ter acendido algumas velas por lá.
Foi assim que nasceu a Capela dos Exus.


Detalhe da nave central da Capela dos Exus, do Reverendo King Skull

A Capela dos Exus de King Skull consegue ser, ao mesmo tempo, um santuário, um espaço de colecionismo e catalogação - e consequentemente pesquisa - e uma instalação artística. Uma das expressões poéticas mais impressionantes já registradas por este blog ao longo das investigações sobre a entidade.
Outro aspecto de destaque são as postagens da série "Mistério Fashion", fotos retiradas da internet que são apresentadas como sugestões de novas vestimentas para as entidades, segundo tendências da moda contemporânea. Inteligente, é o mínimo que se pode chamar.

Mistério Fashion: sugestão de traje para Zé Pilintra

Por fim, vemos que Mistério Exu não é só um blog relevante sobre o tema, mas um dos mais importantes de toda a internet. Por todo o trabalho de pesquisa - além da carga poética conferida pelo autor King Skull, Mistério Exu deve ser visitado e consultado, e se tornar uma base de pesquisa obrigatória a qualquer um que se arrisque a pesquisar as manifestações de Exu na contemporaneidade.
Para nossa surpresa, o blog publicou uma postagem falando sobre o projeto A Reconstrução de Exu (confira aqui), descrevendo-nos como um "projeto que certamente é uma das mais importantes iniciativas culturais sobre a entidade que já foi idealizada até hoje". Lisonjas à parte,  nós do projeto A Reconstrução de Exu, dizemos a mesmíssima coisa sobre Mistério Exu, e parabenizamos o Reverendo King Skull por seu espetacular trabalho de investigação e poética, trazendo ao público um trabalho de extrema qualidade.
Laroiê!

http://misterioexu.blogspot.com.br

ATUALIZAÇÃO: o blog Mistério Exu foi desativado no fim de 2013.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Pareidolia de Exu

Pareidolia (do grego para - ao lado; e eidolon – imagem, forma) é um fenômeno psicológico que caracteriza-se por interpretações errôneas de estímulos vagos, frequentemente imagens e sons, tomados como significativos e importantes. Exemplos incluem interpretações involuntárias de nuvens como feições ou animais e percepções de mensagens ocultas em músicas tocadas para trás.
A pareidolia pode explicar certas visões e aparições de figuras santas como a silhueta de Nossa Senhora, representada como uma sombra na parede, São Jorge montado em seu cavalo na Lua, ou a face de Deus no reflexo da luz sobre a água. No Brasil, São Jorge está associado à Lua devido a influências de tradições religiosas africanas. A divindade Oxossi é ligada à Lua e conectada com São Jorge. Acredita-se que os tons de cinza na lua cheia representam São Jorge segurando sua espada em seu cavalo. Alguns psicólogos ainda incentivam a pareidolia para se aproximar da psique de pacientes pelo teste de Rorschach.

(Trecho tirado do artigo Neuropareidolia: diagnostic clues apropos of visual illusions, de autoria de Péricles Maranhão-Filho e Maurice B. Vincent. Tradução livre a partir do texto original disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-282X2009000600033&lang=pt>)

Segundo cientistas, o fenômeno da pareidolia é fundamental nas tradições religiosas. É o que permitiria, por exemplo, a leitura de oráculos. Ou ainda visualizar divindades em torradas e espelhos.

A leitora Julia Picchioni, por exemplo, encontrou Exu em um espelho e enviou a foto para provar.

Imagem de Exu no espelho, registrado por Julia Picchioni


A pareidolia pode ser um fenômeno que leva a interpretações errôneas. Mas segundo teorias semióticas, tudo é imagem, e não objeto. E ao nos depararmos com uma imagem, ela é verdadeira em si mesma. Assim vale se perguntar se seria tal imagem, tão semelhante a Exu, um mero engano de nossa psique. Uma coisa é inegável: já que nosso objeto de estudo é Exu, não há dúvidas que tomaríamos esta imagem como significativa e importante.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Exu no Brasil

Dança das Cabaças - Exu no Brasil é uma investigação poética sobre a divindade africana Exu no imaginário brasileiro. Trazido pelos escravos com outros Deuses do panteão Yoruba, Exu foi colocado à margem e passou por um processo de demonização que se inicia na missão católica na África e se estende no período colonial brasileiro, onde seus atributos originais foram ocultados.
Exu que na África era caracterizado como o princípio da vida, a força que move os corpos, a dinâmica, o senhor dos caminhos e das encruzilhadas, a principal ponte entre os mortais e as divindades que habitam o além, passa a ser visto como a personificação do mal perante o modelo cristão, devido ao seu seu símbolo fálico e seu comportamento astucioso.
Dirigido por Kiko Dinucci, o filme passa pelas diversas vertentes das religiões afro-descendentes, dos candomblés (de tradição Nagô, Gege, Bantu), Tambor de Mina, passando pela Umbanda e Quimbanda. Dança das Cabaças - Exu no Brasil conta com participações de sacerdotes e estudiosos.

Texto de apresentação do documentário Dança das Cabaças - Exu no Brasil, dirigido por Kiko Dinucci. Disponível em <http://vimeo.com/1436330>



Página oficial do documentário: http://dancadascabacas.blogspot.com.br/

Página oficial do diretor: http://kikodinucci.com.br/

domingo, 19 de maio de 2013

Encontro com Exu

Nos dias 18 e 19 de maio aconteceu em São Paulo a Virada Cultural, evento promovido pela Prefeitura de São Paulo que apresenta centenas de atrações gratuitas espalhadas pelas ruas da cidade. A Virada Cultural, em seu 9º ano, reuniu aproximadamente 4 milhões de pessoas que se concentraram, em sua maioria, nas ruas da região central da capital.
No imaginário da Umbanda, os exus são chamados de povo da rua, e podem atuar diretamente sobre esses domínios, incorporando dinâmicas urbanísticas da cidade. Exus podem habitar ou guardar ruas, vielas, cruzamentos e esquinas. Podem estacionar em postes, becos, praças e entradas, principalmente dos cemitérios. Não à toa, lugares típicos à entrega de oferendas a essas entidades.
E foi nesta edição de 2013 da Virada Cultural que por duas vezes nos deparamos com Exu.
No primeiro caso, uma garrafa de vinho repousava tranquilamente em uma faixa de pedestres próxima ao Largo do Arouche, ao mesmo tempo que a multidão curiosamente passava ao largo. Um marafo cuidadosamente ofertado a uma entidade que não conseguimos enxergar. Talvez uma oferenda ao Exu Tranca Faixa de Pedestres?


O segundo encontro se deu mais tarde, e veio com um susto. Próximo à Estação da Luz um homem, vestindo uma camisa vermelha, saltava em frente as pessoas distraídas assustando-as com um grito, para imediatamente cair na gargalhada. Mal se recuperava do riso e logo escolhia outra vítima para assustar. Repetia sempre o mesmo procedimento: localizava o alvo, aproximava-se sorrateiramente e saltava na frente com um grito e se acabava de rir. Curiosamente não sofreu nenhuma violência. Ao contrário, as vítimas acabavam rindo junto com ele e se perguntavam "Que Exu é esse?", "De onde saiu esse Tranca-Rua?", "Quem é o Legbá?"

Foi chamado de "exu" várias vezes. Depois do susto ele se aproximava e conversava de maneira amistosa. Algumas pessoas chegavam a pedir para tirar fotos dele e com ele. Queriam registrar o Exu brincalhão que cuidava de um quarteirão da Avenida Duque de Caxias. Também pedimos para tirar fotos. E antes que pudéssemos perguntar o seu nome já tinha corrido para longe para assustar um grupo de adolescentes que passava por ali. Ficamos sem saber o nome, mas sabíamos quem era.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Saravá metal

A banda carioca Gangrena Gasosa, "a primeira e única banda de saravá metal
do mundo", e seus membros caracterizados como exus.

Formada no Rio de Janeiro início da década de 90, as entidades da Gangrena Gasosa cruzam elementos da cultura afro-brasileira na sua música incorporando uma mistura de metal com hardcore regado a pontos de Candomblé.

Seu primeiro vinil, intitulado "Welcome to Terreiro", foi lançado pela Rock It! em 1993, revolucionando os conceitos do metal e dogmas religiosos no Brasil e esculhambando todos os estereótipos da cultura underground.

Seis anos depois a banda gravou seu segundo trabalho, o CD "Smells Like a Tenda Spírita", trazendo uma nova linha percussiva. Este CD foi considerado um dos melhores discos nacionais de 1999 e foi apresentado em maio de 2001 na tour europeia.

(Trecho do texto de apresentação retirado do site oficial da banda)

No próximo dia 11 de maio de 2013, acontece o lançamento do documentário "Desagradável" no Cine Olido, em São Paulo, como parte da programação do In-Edit Brasil. O evento começa às 16h, com a venda do DVD "Desagradável", autografado, no local. Às 17h acontece a exibição do documentário, seguido por um show da banda às 19h, com participações especiais. O ingresso custa R$1,00.

Abaixo estão duas músicas da banda: "Exu Noise Terror" e "Exu Afirma Seu Ponto".

 

 

Site oficial da banda: http://www.gangrenagasosa.com.br/

domingo, 5 de maio de 2013

Exu Zé do Caixão

José Mojica Marins como Zé do Caixão
Seu aspecto físico se baseia na iconografia vampírica. Veste-se de preto, adornado com capa e cartola, acessórios que lhe conferem ar aristocrático. Capa e cartola também remetem a Exu, pois fazem parte de algumas representações da divindade.
Muitos aspectos aproximam Zé do Caixão de Exu. No candomblé, Exu é o elemento dinâmico de tudo o que existe: ele transforma, impulsiona, faz crescer. Considerado impulsivo e irascível, Exu é perverso e impetuoso. Extrovertido e narcisista, afirma o princípio da reprodução, da atividade sexual. Traços de caráter como esses também estão presentes em Zé do Caixão. Outras características da divindade remetem ao personagem de Mojica, como os olhos incisivos, o olhar penetrante, o cinismo, o gosto pela intriga.
A absorção de traços físicos e comportamentais atribuídos a Exu mostra o enraizamento de Mojica nos valores mágicos, instintivos e irracionais do imaginário primitivo, muito presentes no espírito de seu público. As referências a Exu aproximam Zé deste público, fornecem um arquétipo reconhecível e veiculam, nos filmes, todo um universo religioso – mesmo que este seja com freqüência vilipendiado por Zé.

Trecho do ensaio Personagens antípodas, de Alexandre Agabiti. Disponível em http://www.portalbrasileirodecinema.com.br/mojica/ensaios/04_02.php


quarta-feira, 1 de maio de 2013

Exu e a educação

"Exu no Brasil!" - xilogravura de Kiko Dinucci
http://kikodinucci.com.br/
Quando uma escola proíbe um livro de lendas africanas ela discrimina culturas afrodescendentes. Exu é negro. Um poderoso e imenso orixá negro. É o orixá mais próximo dos seres humanos porque representa a vontade, o desejo, a sexualidade, a dúvida. Por que esses sentimentos não são bem-vindos na escola? Porque a Igreja católica tratou de associá-lo ao seu diabo e muitas escolas incorporam essa lógica conservadora, moralista e racista. O Exu proibido afirma que este país tem negros com diferentes culturas que, se entendidas como modos de vida, podem incluir diferentes modos de ver, crer, não crer, sentir, entender e explicar a vida.

Trecho do artigo Exu não pode?, de Stela Guedes Caputo. Disponível em <http://oglobo.globo.com/pais/moreno/posts/2009/11/23/exu-nao-pode-243603.asp>.