segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Exu na Argentina e Uruguai - parte 2

"Pomba Gira da Praia"
Obra da exposição "Dueños de la encrucijada"

Exu e Pombagira são entidades espirituais celebradas nos cultos de raiz africana, um aspecto da cultura regional amplamente invisibilizado que, entre a incompreensão e o descrédito, segue crescendo à revelia de todos, abundantemente, nas cidades e suas periferias. Existe neste campo uma identidade comum bem evidente entre Buenos Aires e Montevideo, enriquecida por constantes intercâmbios, viagens e influências entre si de religiosos de ambos países, que majoritariamente, ainda que não todos, reconhecem como fonte histórica a sua prática em Porto Alegre e outras cidades do Brasil. E uma vez estabelecido tal fonte cultural e geográfica, um fenômeno em particular nos oferece uma imagem mais fiel do presente: a expansão do culto a Exu e Pombagira, a quimbanda, vinda do Brasil e resignificada no Uruguai.

Dois aspectos da mesma entidade espiritual, Exu e Pombagira são Exu macho e Exu fêmea.

Exu, um dos orixás ou divindades que chegaram à América com os escravos africanos, foi alterando sua identidade até que, entregue a uma certa hipertrofia ou um crescimento desmedido do organismo ritual, terminou por gerar um culto à parte. E se os demais deuses encontraram sua identificação em figuras católicas como santos, virgens e até mesmo em Jesus, dentro de um fenômeno conhecido como sincretismo, o papel que coube a Exu e Pombagira não foi outro que o de demônios.

"Infierno" de León Ferrari.

Nesta exposição, um claro recorte do resto do vasto panteão de divindades afro-latino-americanas, observamos Exu em sua multiplicidade contraditória, em sua identificação como espírito mas também como orixá ou divindade, para terminar de abrir as comportas à riqueza complexa de obras de arte derivadas de una teologia contemporânea.

Nossa aproximação a estas questões por uma perspectiva das artes visuais se estrutura mediante as fotografias de altares de Guillermo Srodek Hart, obras de artistas contemporâneos de ambos países que trabalham em relação ao tema e a apresentação de algumas peças de arte litúrgica.

As fotos de Srodek Hart, cujo registro aproveita a profundidade da imagem que proporciona uma câmera de 4x5 polegadas, foram realizadas pensando em expor a diversidade de resoluções estéticas que apresentam os altares escolhido; estes são um reflexo de tendências e estilos próprios da personalidade de seus autores, religiosos que se evidenciam assim como artistas por vontade própria diante de suas contundentes instalações.

"Altar de Pomba Gira del Pai Alberto de Oxalá"
de Guillermo Srodek Hart

Os artistas contemporâneos que exibimos dialogam a partir de seus diversos processos. São eles: Dany Barreto, Marcelo Bordese, Nora Correas, León Ferrari, Ángela López Ruiz, Diego Perrotta, Nico Sara, Melina Scumburdis, Gustavo Tabares, Anabel Vanoni, Margaret Whyte, Guillermo Zabaleta. Alguns estão comprometidos com a temática de modo direto e realizam obras que são os relatos de suas vidas religiosas, outros a reconhecem como m produto cultural que nos inspira e são apresentados por encontrarem-se em caminhos coincidentes. Há uma circularidade conceitual entre todos eles, assim como uma necessária confusão de sentidos. Seus trabalhos refletem distintos aspectos do fenômeno: Exu e Pombagira são sexo, criação, comunicadores, transgressores, chaves, o cachorro, malandros, demônios, belos, irônicos. Muitas dessas características são visíveis nestas obras.

Ao mostrar peças de origem ritual tentamos tanto mostrar uma obra de arte peculiar como refletir a respeito de seus modos de produção. Temos peças semi-anônimas e outras em série que apontam na direção das formas a serviço de um conceito.

Conjunto de ferramentas de Exu e Pombagira

Contextualizando, o cenário da arte contemporânea já digeriu a presença explícita do tema afro-religioso na obra de muitos artistas internacionais, começando por Wifredo Lam, Rubem Valentim e chegando a José Bedia, Belkis Ayón, Ana Mendieta, Jean-Michel Basquiat, Mario Cravo Neto. Em relação ao Río de la Plata, sobre a herança da população africana que resultou na base do tango e de outros aspectos da cultura de ambos países, tal como registrou Pedro Figari, é onde se assenta a umbanda vinda do Brasil em meados do século XX. Então já temos Exu por aqui. Não é de se estranhar que há surgido arte de sua sombra.

A arte de Exu e Pombagira exala uma poética que é fruto da relação com um mistério e oferece chaves para compreender eventos que já formam parte da cultura rioplatense. Nascido por uma cosmovisão e uma prática e transformado para formar um contínuo estético diferencial.

Texto de Juan Batalla para a exposição "Dueños de la encrucijada - estéticas de Exú y Pomba Gira en el Río de la Plata". Disponível em: <http://www.arteenlared.com/2009/esteticas-de-exu-y-pomba-gira-en-el-rio-de-la-plata.html>.
Dueños de la encrucijada - estéticas de Exú y Pomba Gira en el Río de la Plata
Montevideo: 28 de abril a 8 de junho de 2009. Museo de Bellas Artes Juan Manuel Blanes
Buenos Aires: 6 a 30 de agosto de 2009. Centro Cultural Ricardo Rojas.

"Exú La Murciélaga" de Dany Barreto

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