quinta-feira, 18 de julho de 2013

Exu e a infância

À esquerda, imagem de capa da revista de histórias em quadrinhos do personagem
Brasinha (Hot Stuff, no original em inglês), que carrega o mesmo nome de um
muito conhecido exu mirim. À direita, imagem de exu mirim. Disponível em
<http://evandrodeogum.blogspot.com.br/2012/10/exu-mirim-e-mojuba.html>.
Os [exus] mirins refletem a delinquência infanto-juvenil das crianças de rua, sem disfarces ou recondicionamentos. Propõem-se como antípodas da beleza, inocência e pureza infantil (típica das crianças da "direita"). Geralmente são descritos como muito feios. A feiúra metaforiza esteticamente o lado "errado" da vida pelo qual trafegam (ou trafegaram).
Segundo uma mãe de santo, "uma característica deles é perigo à vista, como as crianças de rua. Carentes, têm a sensibilidade deles, mas oferecem perigo. Eles estão com medo, mas fazem com que você tenha mais medo do que eles, para intimidar, exatamente como um moleque de rua".
A sua periculosidade é apresentada como talento (como de fato o é e assim a compreendem, espelhando os recursos que permitem às crianças de rua sobreviver). Fiel ao seu "ethos", a Umbanda vai elaborar estas crianças que se defendem assustando, intimidando, e podem de fato ferir, socializando as suas "defesas". Transformando a sua competência ofensiva em qualidade defensiva. Descobre virtudes nos seus defeitos, inclui-os, sem pré-condicionar que isso se faça ao preço da anulação do modo de ser que se lhes tornou constitutivo (o que seria mais uma forma de violência, típica de outros cenários do menu religioso brasileiro, determinados por vocações doutrinadoras ou conversoras, umas e outras tentativas de supressão do diferente e da especificidade).
Moleques em fase de auto-afirmação, são fortes e gostam de mostrar serviço. Geralmente exibidos e fanfarrões, são imprevisíveis, temerários, ágeis, mutantes e desafiadores da autoridade. Empenham-se ao máximo para provar que são capazes e obter aprovação, o que aumenta a sua presumida periculosidade.
Por serem crianças, supõem-se pouco acessíveis a argumentos racionais e, pequenos, capazes de entrar em brechas mínimas em que ninguém pode alcançá-los (frestas que, concomitantemente, se compreendem como lugares metafísicos e como mínimas rugosidades do caráter alheio e/ou feridas psíquicas mal cicatrizadas...).

Trecho do artigo Sublimidade do mal e sublimação da crueldade: criança, sagrado e rua, de José Francisco Miguel Henriques Bairrão. Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-79722004000100009&lng=en&nrm=iso>.

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